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A propósito da difícil tarefa que nos aguarda domingo, aqui fica um texto para recordar jogadores, sócios, adeptos e todos os demais o que é a estirpe poveira, da qual o Varzim é herdeiro. Que os nossos jogadores se comportem em campo com a mesma bravura e espírito de sacrifício que sempre caracterizaram e ainda caracterizam a forma como os poveiros e seus descendentes espalhados pelo Mundo enfrentam a vida:
"Temporal ciclónico varria todo o litoral do país. Um navio inglês, o “Veronese”, que navegava de Vigo com destino a Buenos Aires e levava a bordo mais de cem pessoas, arrastado pela tremenda tempestade encalhou na penedia próxima de Leixões e ficou, sem defesa possível, à mercê das alterosas e ameaçadoras vagas do mar.
Um dia e uma noite esteve aquela gente na iminência de morte certa, já que a medonha tempestade e o estado do mar, que se quebrava fragorosamente contra os temíveis rochedos, não permitiam qualquer auxílio.
Na praia fustigada pelo ciclónico temporal as autoridades marítimas sentiam-se impotentes perante a calamitosa situação. Na areia permaneciam vários barcos salva-vidas de Matosinhos, Leça e Afurada com as respectivas tripulações e os seus experientes mestres, mas as condições extremamente adversas do tempo, agravadas pela proximidade temerosa do conjunto de perigosos rochedos onde o navio encalhara, desaconselhavam qualquer intervenção.
A trinta quilómetros de distância, na Póvoa de Varzim, terra de arrojados pescadores, heróis forjados nas procelas de mil Invernos, vivia-se intensamente o drama. Não podendo conter mais a sua dolorosa expectativa, e sentindo ser seu dever tentar prestar o socorro que a outros parecia impossível, o mestre do salva-vidas poveiro, Patrão Lagoa, procurou o administrador do concelho, Santos Graça, e manifestou-lhe a sua sentida preocupação: - Então … vamos deixar morrer aquela gente ?! - E que se há-de fazer ? perguntou Santos graça.- Que se há-de fazer ? Ir lá com o meu salva-vidas, pelos menos tentar…- Como, se por mar é impossível ?- De comboio … leva-se o salva-vidas no comboio – propôs o mestre.- E como conduzir o barco até à estação, que é tão longe ?- Eu trato disso. Só quero o comboio.
Santos Graça, que conhecia a determinação e a capacidade da sua gente, sensível à angústia do momento, acedeu. Um sorriso de satisfação e esperança iluminou o rosto de Patrão Lagoa. Correu ao posto de socorros a náufragos, chamou os seus três filhos, três entroncados moços, e convocou a sua companha.
Toda a Póvoa compareceu para ajudar no que fosse preciso. O pesado barco salva-vidas foi transportado aos ombros até à estação de caminho de ferro e colocado no comboio entretanto conseguido por interferência de Santos Graça.
À chegada a Leixões os poveiros, aureolados de merecida fama de heróis com prestadas provas em tantas situações de grande perigo, foram aclamados pela multidão. Renascia a esperança: "Chegaram os poveiros!", gritavam.
O salva-vidas foi deposto na língua da maré, e a tripulação poveira, num impensado desprezo pela vida, aprestava-se já para entrar no encapelado mar.
Nesse momento, o capitão do porto de Leixões opôs-se ao destemido intento:- Alto, não pode sair - intimou. Era uma ordem. O oficial, dadas as condições extremamente adversas causadas pelo temporal, receava que novo drama resultasse da cega determinação dos poveiros. A multidão emudeceu transida de desesperança e de frustração.
No pesado silêncio que se fez, Mestre Lagoa, chorando de raiva, protestou: “Mas … temos que salvar aqueles pobres de Deus … !
O oficial radicalizou com uma frase infeliz: - Você quer mais medalhas ?
Lagoa, crispado, lívido, deu dois passos para o comandante e respondeu à ofensa com altiva grosseria ditada pelo seu desespero, sob o aplauso das pessoas mais próximas. Recebeu, de imediato, voz de prisão.
Valeu a intervenção de Santos Graça que, apaziguador, com ponderosas razões pediu que deixasse sair o patrão Lagoa para o mar. Muitos cidadãos, alguns deles ingleses, coadjuvaram o pedido.
A fatalidade eminente de um fim horroroso abatia-se sobre os ocupantes do "Veronese", já perigosamente adernado. O capitão do porto sentiu não poder ficar com a responsabilidade que, como lhe observara Santos Graça, lhe seria imputada se o desastre se consumasse sem a tentativa dos poveiros. Acabou por ceder, mas com a condição do salva-vidas sair a reboque da canhoneira “Bérrio”, para se prevenir desgraça maior.
Um elemento da companha, “mestre Peroqueiro”, seguiria a bordo da canhoneira para dirigir as manobras. Tudo se preparou, com a possível rapidez, para o início da tentativa de salvamento.De novo a esperança voltou à compacta multidão. O salva-vidas poveiro fez-se, enfim, ao mar a reboque da “Bérrio”, mas o Lagoa, já longe da praia, revolta-se contra a limitação que lhe fora imposta. Em segredo avisa os seus homens e em dado momento com uma machadada certeira corta a amarra que lhe tolhia os movimentos e gritou uma frase que ficou célebre: P’rá terra, nem mais um palito…
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-"Temporal ciclónico varria todo o litoral do país. Um navio inglês, o “Veronese”, que navegava de Vigo com destino a Buenos Aires e levava a bordo mais de cem pessoas, arrastado pela tremenda tempestade encalhou na penedia próxima de Leixões e ficou, sem defesa possível, à mercê das alterosas e ameaçadoras vagas do mar.
Um dia e uma noite esteve aquela gente na iminência de morte certa, já que a medonha tempestade e o estado do mar, que se quebrava fragorosamente contra os temíveis rochedos, não permitiam qualquer auxílio.
Na praia fustigada pelo ciclónico temporal as autoridades marítimas sentiam-se impotentes perante a calamitosa situação. Na areia permaneciam vários barcos salva-vidas de Matosinhos, Leça e Afurada com as respectivas tripulações e os seus experientes mestres, mas as condições extremamente adversas do tempo, agravadas pela proximidade temerosa do conjunto de perigosos rochedos onde o navio encalhara, desaconselhavam qualquer intervenção.
A trinta quilómetros de distância, na Póvoa de Varzim, terra de arrojados pescadores, heróis forjados nas procelas de mil Invernos, vivia-se intensamente o drama. Não podendo conter mais a sua dolorosa expectativa, e sentindo ser seu dever tentar prestar o socorro que a outros parecia impossível, o mestre do salva-vidas poveiro, Patrão Lagoa, procurou o administrador do concelho, Santos Graça, e manifestou-lhe a sua sentida preocupação: - Então … vamos deixar morrer aquela gente ?! - E que se há-de fazer ? perguntou Santos graça.- Que se há-de fazer ? Ir lá com o meu salva-vidas, pelos menos tentar…- Como, se por mar é impossível ?- De comboio … leva-se o salva-vidas no comboio – propôs o mestre.- E como conduzir o barco até à estação, que é tão longe ?- Eu trato disso. Só quero o comboio.
Santos Graça, que conhecia a determinação e a capacidade da sua gente, sensível à angústia do momento, acedeu. Um sorriso de satisfação e esperança iluminou o rosto de Patrão Lagoa. Correu ao posto de socorros a náufragos, chamou os seus três filhos, três entroncados moços, e convocou a sua companha.
Toda a Póvoa compareceu para ajudar no que fosse preciso. O pesado barco salva-vidas foi transportado aos ombros até à estação de caminho de ferro e colocado no comboio entretanto conseguido por interferência de Santos Graça.
À chegada a Leixões os poveiros, aureolados de merecida fama de heróis com prestadas provas em tantas situações de grande perigo, foram aclamados pela multidão. Renascia a esperança: "Chegaram os poveiros!", gritavam.
O salva-vidas foi deposto na língua da maré, e a tripulação poveira, num impensado desprezo pela vida, aprestava-se já para entrar no encapelado mar.
Nesse momento, o capitão do porto de Leixões opôs-se ao destemido intento:- Alto, não pode sair - intimou. Era uma ordem. O oficial, dadas as condições extremamente adversas causadas pelo temporal, receava que novo drama resultasse da cega determinação dos poveiros. A multidão emudeceu transida de desesperança e de frustração.
No pesado silêncio que se fez, Mestre Lagoa, chorando de raiva, protestou: “Mas … temos que salvar aqueles pobres de Deus … !
O oficial radicalizou com uma frase infeliz: - Você quer mais medalhas ?
Lagoa, crispado, lívido, deu dois passos para o comandante e respondeu à ofensa com altiva grosseria ditada pelo seu desespero, sob o aplauso das pessoas mais próximas. Recebeu, de imediato, voz de prisão.
Valeu a intervenção de Santos Graça que, apaziguador, com ponderosas razões pediu que deixasse sair o patrão Lagoa para o mar. Muitos cidadãos, alguns deles ingleses, coadjuvaram o pedido.
A fatalidade eminente de um fim horroroso abatia-se sobre os ocupantes do "Veronese", já perigosamente adernado. O capitão do porto sentiu não poder ficar com a responsabilidade que, como lhe observara Santos Graça, lhe seria imputada se o desastre se consumasse sem a tentativa dos poveiros. Acabou por ceder, mas com a condição do salva-vidas sair a reboque da canhoneira “Bérrio”, para se prevenir desgraça maior.
Um elemento da companha, “mestre Peroqueiro”, seguiria a bordo da canhoneira para dirigir as manobras. Tudo se preparou, com a possível rapidez, para o início da tentativa de salvamento.De novo a esperança voltou à compacta multidão. O salva-vidas poveiro fez-se, enfim, ao mar a reboque da “Bérrio”, mas o Lagoa, já longe da praia, revolta-se contra a limitação que lhe fora imposta. Em segredo avisa os seus homens e em dado momento com uma machadada certeira corta a amarra que lhe tolhia os movimentos e gritou uma frase que ficou célebre: P’rá terra, nem mais um palito…
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Lancha poveira-
As vagas, alterosas, empurraram aos repelões o salva-vidas em direcção ao navio naufragado. rema, rema, rema, comandava com voz cadenciada e forte o Patrão Lagoa, olhos fitos no navio inglês.Era um esforço temerário e cego, em completo desprezo pela vida. Ouviam-se já, no salva-vidas, os gritos lancinantes dos aterrados passageiros do navio, na sua maioria mulheres e crianças.
O salva-vidas a todo o momento era coberto pelo mar, da proa à ré.Dois homens afadigavam-se em bombear a água e o barco avançava sempre. Na praia a multidão sentia a areia faltar-lhe debaixo dos pés, tal a ansiedade com que assistia ao desenrolar do drama. A cerca de cinco metros do navio naufragado, com risco eminente do salva-vidas se esfrangalhar de encontro ao costado do vapor, Patrão Lagoa jogou uma boia atada a um cabo de vaivém, e conseguiu, finalmente, estabelecer ligação com o navio.
Começa o salvamento. Os primeiros vinte passageiros dão entrada na “Bérrio”, e ao fim de algum tempo, barcaça após barcaça, todos estavam a salvo! Cumprida a missão, o Patrão Lagoa colocou um remo ao alto - simbólico e tradicional sinal a anunciar final feliz.
Soou, então, em uníssono, um imenso grito de alegria colectiva da multidão, assombrada por tanta coragem.
Toda imprensa da época relatou o heróico feito dos poveiros, que foram então apodados de “Lobos-do-mar”, como ainda hoje são conhecidos. Os poveiros mostraram, uma vez mais, as características da sua raça de homens fortes, destemidos e abnegados, que numa comovente simplicidade que lhes é natural e sem se deterem perante os maiores perigos, cultivam os mais altos valores da solidariedade humana. "
Manuel António Ferreira, o "Patrão Lagoa"
Retirado de: http://garatujando.blogs.sapo.pt/, cujo autor aproveitamos para saudar.
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